Seriam 65 anos de casamento -- A História do Balde

Hoje, se meu pai fosse vivo, ele e minha mãe estariam completando 65 anos de casados. Eram dois temperamentos completamente diferentes. Ele: calmo, introvertido, caseiro. Ela: agitada, extrovertida, adorava sair e passear. Foi um casamento que só após a morte de papai vim a entender.

Papai sempre foi apaixonadíssimo por ela. Um dos seus grandes orgulhos – como se fora uma vestal – era a fidelidade conjugal que sempre manteve. Nunca, nunca mesmo, olhou para outra mulher. Após ter casado com mamãe, era como se todas as mulheres do mundo tivessem morrido para ele.

Tinha um ciúme imenso de mamãe; era muito possessivo. De nada adiantava, pois mamãe, com seu temperamento firme, fazia o que queria e bem entendia e não dava a mínima para ele e para ninguém. Ele reclamava quando ela vestia calças compridas ou quando se arrumava toda – de meias de nylon e salto agulha número 9 – para ir ao chá das mulheres dos militares ou a um aniversário. Ela empinava a cabeça, gesto muito seu, e saía numa boa, tipo “azar o seu que não vai comigo.”

Quando ele faleceu, pensei: bem, agora ela vai poder sair bem muito, ir para os chás, os aniversários e a casa de suas amigas sem ninguém para ficar reclamando. Pois deu-se o inverso. Acabaram-se os chás, os aniversários, tudo... Ela não suportava mais as pessoas, que para ela eram umas tolas, uma fúteis, que só diziam besteira etc etc etc. Ora, mas eram exatamente as mesmas pessoas...

Quando recordei o que ela me disse, enfaticamente, três meses depois de ele ter morrido: “A solidão é um fato”, foi então que “caiu a ficha”. Ela sempre viveu em função dele. Ela se aprontava para ele. Ela saía toda arrumada exatamente para ele reclamar e ela ter certeza de que estava linda, maravilhosa. Ele era o estímulo da vida dela, aquele que a achava bonita e tinha ciúmes porque a amava. Quando ela perdeu seu esteio, todas as coisas da vida também perderam o sentido. Sua saúde começou então a decair progressivamente, vindo a resultar nos sérios problemas atuais. Diagnóstico: uma doença longa, terrível e incurável, chamada solidão...

Isto tudo lembrou-me a História do Balde, que ouvi há muitos anos atrás e que gostaria de repassar para você.

A História do Balde

Nos idos de 1990, fui ao hospital visitar um amigo que estava muito mal. Foi ali, na conversa de quarto do doente, que conheci dona Eulália*, tia do meu amigo. Desinibida e expansiva, lá pelas tantas, contou-nos algo que havia acontecido com ela, e que eu, com minha mania de a tudo denominar, dei-lhe o nome de A História do Balde, que segue-se:

Freqüentadora assídua do movimento Encontros de Casais com Deus, promovido pela Igreja Católica, dona Eulália foi convidada pelo padre de sua paróquia para falar no Curso de Noivas sobre o casamento. Muito honesta e despachada, respondeu-lhe: “Padre, eu não posso fazer isto, porque, se eu for lá, haverei de dizer todas as verdades sobre o casamento e ninguém mais desejará se casar.” O padre: “Eu não quero, de jeito nenhum, que a senhora minta. Mas, quais são estas verdades, minha filha?” Dona Eulália prontamente respondeu: “Eu direi que o casamento é uma balde cheio de m­­_ _ _ _ de cima até embaixo, com um dedinho apenas de mel em cima. E quando acaba o mel, fica só a m_ _ _ _ .”

O padre, com aquele sábio olhar de quem é conhecedor da natureza humana, disse-lhe: “Vá, minha filha, vá e diga-lhes exatamente isto, mas não se esqueça de dizer a elas que segurem bem firme na aseia** do balde para não perdê-lo, porque, sem ele, a vida é muito mais difícil.”

Moral da história, sob o meu ponto de vista: No relacionamento de casal, de amigos, de pais e filhos, de familiares, enfim, em todo e qualquer ele, faz-se necessário um imenso desejo de querer “segurar”, de manter a relação para que ela cresça e frutifique. Para tanto, há que ter-se paciência, compreensão, renúncia e perdão mútuos. Pois, se não investirmos nos nossos relacionamentos, inexoravelmente, a solidão invadirá nossas vidas. Em suma, temos que “segurar bem a aseia do balde”, porque sozinho(a) “a vida é muito mais difícil”.

Meu carinho para todos, Laura Lucia


*Nome fictício, para evitar identificação.

**Termo popular usado no lugar de aselha: pequena asa ou alça.

23 comentários:

  1. Querida amiga laura, primeiro obrigado pelo comentario carinhoso que deixou no meu blog. História linda de sua maezinha, que por sinal era lindíssima, e seu pai tinha toda a razão para idolatra-la e que realidade vc colocou, pq a verdade é uma só: o casamento nada mais é do que comer junto 01 kg de sal rsrsrs, precisa existir muito amor para leva-lo por uma vida toda, pq é pelo amor que tudo fazemos para chamar a atenção de quem amamos que foi o caso de sua maezinha que quando perdeu seu grande amor, mudou também o sentido e sua vida. Eu tenho medo de um dia me encontrar com a solidão, pq sou como sua mae, agitada, extrovertida e tudo faço para juntar em casa familia e amigos. Querida tenha um ótimo fim de feríado. beijinhos

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  2. Oi, Laura,
    Seus pais foram jovens bonitos; adoro essas fotos antigas!
    Gostei do post e ele me fez lembrar da frase do escritor (e príncipe) italiano, Giuseppe T. de Lampedusa, sobre o casamento, algo mais ou menos assim: "Um ano de ardor e fogo e trinta anos de cinzas". Eu acho que a razão disso é justamente o desinteresse das partes em "segurar" a relação.

    Beijinho e boa semana.

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  3. Bravo!!! Bravissimo!!! As fotos nos levam a outro tempo…gusto demais…viajo!! E a historia do balde...Balde nosso de cada dia, cabe sim, a cada um de nos esvaziarmos esse balde sempre, deixando apenas aquela fina camada de mel...essa sim, não pode ser jogada fora nunca, já que e ela quem vai segurar toda a M que se acumula todos os dias! Mas me diga, o que seriam de todas as nossas relações se as coisas fossem apenas fáceis de serem vividas?
    Belo texto minha amiga, me fez refletir!

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  4. Laura, amei esse post!
    As fotos são belíssimas e a maneira como você concatenou a vida deles com a história do balde foi bem oportuna.
    Quando há amor, as divergências se superam. Não dá pra ser feliz 24h, mas reverter um momento de tensão, aprender com os erros e voltar à calmaria, só reforça a relação.
    Meu pai faleceu em agosto passado e fizeram 56 anos de casados, mas 64 de convívio! Minha mãe faz 77 anos em março e estarei lá dando força. Ele foi o único na vida dela.
    Esse post mexeu com a emoção.
    Bjs.

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  5. Amei a história! É triste, é linda, emocionante!

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  6. Oi Laura... Que linda homenagem ! Adorei! Parabéns... Beijos

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  7. Meu sogro que vire e mexe fala do jeito ele, + escrachado a estoria do Balde...

    Seus pais eram lindos! O cabelo da sua mãe, que graça. Essas fotos são maravilhosas!

    Bj Priscila

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  8. amiga..que historia linda a de seus pais!!!e..que fotos incriveis!!li..devagar com toda a calma do mundo!!!e..a histria do balde?muito boa!!..obrigado pr dividir..bjus

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  9. Que história linda e comovente.
    Amei as fotos, adoro fotos antigas.
    Não conhecia a história do balde e adorei.
    Beijos.
    Fla

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  10. Olá Laura :)
    A história sobre o casamento dos seus lindíssimos pais tocou profundamente o meu coração! Estou casada há 14 anos e nem quero pensar no dia em que poderei ficar só e a tristeza e solidão se apoderar de mim me aniquilando aos poucos! No entanto, esta linda história, é um verdadeiro hino ao verdadeiro Amor. A verdade é que o meu balde tem uma boa dose de mel e tal como as abelhinhas temos de procurar aumentar as suas reservas com o nosso empenho e dedicação de forma a que ele seja o componente absoluto do balde!! Grande beijinho e bela reflexão!

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  11. LAURA VC COMO SEMPRE ME SURPREENDE!
    SUA MÃE FOI BASTANTE BONITA DEVE TER FEITO O MAIOR SUCESSO!AMO OLHAR FOTOGRAFIAS ANTIGAS QUE PENTEADO BACANA!
    AQUI EM CASA SOMOS ASSIM EU IGUAL SUA MÃE SEM TIRAR NEM POR,HUGO IGUAL SEU PAI TRANQUILO,SERENO
    MEIGO...MAS ESTAMOS BEM NESSES 25 ANOS!
    TENHO CERTEZA QUE SEU PAI FOI MUITO FELIZ!
    MUITO LINDA ESSA HISTÓRIA.

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  12. Eu curto bastante fotos antigas. Seus pais eram lindíssimos, lembrar de coisas boas faz bem para a alma.
    FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... deseja uma boa noite para você.
    Saudações Florestais !

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  13. Laura, acho que em algum outro post já elogiei a beleza de sua mãe. Ela é linda! E papai também!
    Como você mesmo relata, ela perdeu o incentivo, ambições e sonhos porque colocou toda felicidade dela na dependência de outra pessoa. Tenho uma filha adolescente e sempre lhe recomendo que seja feliz sozinha, e que nunca dependa de ninguém para isso, que faça acima de tudo muitos amigos. Mas confesso que as vezes me vejo sem chão quando meu marido viaja (trabalhamos e convivemos 24 horas por dia! - acho que estou mal acostumada).
    No meu caso, discordo da história do balde no que tange a proporção de m....e mel. Meu balde tem 70% de mel, sem demagogias.
    Não sei como será o futuro, se a proporção será a mesma, mas hoje, com 20 anos de convivência (17 de casados)acho que convivo realmente com minha alma gêmea, mas não deixo de segurar a alça do balde com muita força, por se acaso....

    Beijão

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  14. Oi amada!!!
    Que história linda. Que emoção.
    Fiquei pensando na vida dos meus pais, na minha.

    Como erramos e como aprendemos.
    Alguns sim, outros não.
    Sofri muito pra aprender que qualquer relacionamento só é 100% quando é 100% verdadeiro.
    Quando existe diálogo, respeito e amor.
    Hoje vivo um relacionamento assim graças a Deus. Precisei apanhar da vida pra compreender. Mas consegui. Seguro a alça do balde com as duas mãos.

    Vejo meus pais que se separaram depois de 34 anos juntos e tudo q me lembro do casamento deles é a mentira, completa falta de respeito e insignificancia por parte do meu pai e total submissão por parte da minha mãe.
    Peço a Deus que agora separados eles consigam ser felizes e que aprendam algo com tudo isso.

    Beijos e uma ótima semana para todas nós.
    Alê

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  15. Que estória linda...esse é o amor verdadeiro!
    Acho que todos nós temos um balde assim...uns com mais m...outros com menos. O meu é...graças a Deus quase 100º de mel, por isso seguro com muita força a alça dele. Em Abril faremos 30 anos de casados e são 33 de convívio...faria tudo novamente...igualzinho!
    Acho que não foi só em mim que seu post despertou essas considerações...é sempre muito bom lembrar, avaliar e agradecer!!!
    Melhoras pra sua mãe e força pra você!
    Bjuss!!!

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  16. Que mãe bem linda o pai tambem muito simpatico que eram .Uma linda historia de amor.Não conhecia a história do balde,pior que é assim mesmo..........
    Um abraço Gilka

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  17. Oi Laura, voltei pra te pedir que vá buscar lá na Biroskinha amanhã, um selinho que dediquei a você, ok?!
    Bjuss!!!

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  18. É verdade...que linda história!!!Temos que ter muita calma para segurarmos a alça do balde, afinal precisamos manter esse melzinho por cima.
    Aprendi durante muitos anos de casamento que nada é por acaso, mas só na minha segunda relação descobri com meu atual marido que não existe evolução sem conflito, por isso precisamos refletir e transparecer a dois tudo o que estamos sentindo afinal o outro não tem bola de cristal. É preciso sinalizar quando não estamos bem ou quando estamos também, não é?
    Adorei passear por aqui hoje! Beijos!

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  19. Olá, garotas,
    Adorei a visitinha que me fizeram e estes comentários tão belos e verdadeiros. Gostei do fato de cada uma mostrar um pouco de si e de seus relacionamentos, assumindo que realmente não são perfeitos, mas que vale a pena lutar por eles.
    Obrigada pelos elogios à beleza dos meus pais, por terem gostado das duas histórias e pelos votos de melhoras para mamãe.
    Beijos fraternos

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  20. meu casamento foi ai amo!

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  21. Essa história do balde é de extremo mau gosto...

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  22. Que texto maravilhoso!!!! Procurava uma receita e caí no seu blog. Além de muito bem escrito, seu conteúdo emociona pela verdade e simplicidade. Parabéns! Nem sei se ainda movimenta este blog. Mas deveria continuar...

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  23. Poderia acrescentar as suas aptidões a boa pena literária. Escrever e prender a atenção do leitor é para poucos. Entrei como um "curioso" em busca de boas receitas e encontrei muito mais,encontrei boas histórias que nos remetem as nossas próprias. Uma delicia
    de Blog.

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